Ailton Fernandes

CONTOS DE TERROR E SUSPENSE

Conheça algumas das obras do autor 

SEGUNDOS 

Ailton Fernandes


Por alguns instantes - considerando até mesmo os milésimos de segundos - após meu ato de desespero me encontrei em um ambiente inesperado. Eu estava em uma sala retangular preenchida pelo vazio e o silencio, a luz clara tornava-se mais clara devido as paredes e o chão brancos, um lugar sem mobílias para contrastar aquele ambiente, tendo além da cadeira na qual eu me encontrava sentado uma única mesa de marfim junto de uma cadeira acolchoada de cor vermelha e por trás delas uma enorme janela de vidro, onde podia-se ver o mundo. Um silencio mórbido pairava naquele local e nem mesmo o bater de um relógio de bolso que eu carregava comigo podia-se ouvir para desfazer aquele ambiente plácido. Não sei ao certo por onde aquele homem entrou, mas me tomando por um susto senti uma mão tocar o meu ombro esquerdo, foi quando ouvi o primeiro som naquele lugar, dizendo-me "bem-vindo".

Qual seria a forma da morte? Eu digo que depende do que você acredita, e de como ela foi descrita ou representada a você. Ela pode ter a forma do seu maior medo, ou simplesmente não ter a forma de nada. Mas o fato é que de sua existência não temos dúvida alguma e é diante dela que temos os únicos pensamentos próprios, os pensamentos mais importantes de nossas vidas, aqueles pensamentos que definem o que nós realmente queremos para a nossa própria vida, ou o que poderíamos ter feito dela. Pensamentos que mudam um homem se da morte ele conseguir escapar.

Diante de meus olhos eu vivi o extremo de mim mesmo, eu olhei para o meu próprio eu. Apenas 5 segundos podem se tornar uma eternidade. Como eu queria que naquele exato momento tudo fosse apenas um devaneio de minha mente.

Posso dizer que entrei em um colóquio com a morte onde foi detalhado todo o meu mundo enquanto eu dialogava com aquele homem.

Sentado à minha frente estava aquele que eu desconhecia, vestido de um terno extravagante de cor púrpura, dono de um sorriso maléfico e um olhar calmo de feições impossíveis de descrever. Eu queria questioná-lo sobre onde eu me encontrava, pois eu não me lembrava de como eu havia chegado ali. Mas o homem, como se tivesse lido meus pensamentos se antecipou dizendo-me "Você acha mesmo que alguns suicidas sobrevivem por milagre? Que erraram no nó? Que a dosagem foi 10ml a menos do que a fatal? Que a colisão foi com algo antes de atingir o chão? Não brinque comigo, homem! Os que chegam aqui fazem parte da maioria dos que se arrependem, mas nem todos têm bons motivos para que eu deixe que voltem atrás de sua decisão tomada. "

Naquele instante, lembrei-me do vento batendo em meu rosto e dos pensamentos que tomaram o controle da minha mente. Vi o sorriso de minha filha e os passos que ela dava em direção ao meu abraço quando eu chegava do trabalho. Enquanto eu tinha tais lembranças, na enorme janela por trás daquele homem, meus pensamentos se mostraram como em uma grande tela de cinema, ocultando o mundo que antes podia-se ver lá fora para mostrar o meu próprio.

Disse-me o homem, "Não pense que será fácil de me convencer com apenas um sorriso e um abraço de um pai, você acha que por quantos pais e mães eu já fui recebido? Tantos outros desesperados e arrependidos com motivos incomuns e incapazes de me convencerem. Se esforce meu rapaz, não pense que a decisão mais difícil é aquela da qual você desiste, mas sim aquela da qual você se arrepende".

Sentindo as lágrimas em meu rosto, lembrei-me de meu pai, carregando-me em suas costas enquanto segurava as minhas mãos. Naquele topo, sentado em seus ombros eu me sentia seguro, mesmo sendo muito novo e não compreendendo muito sobre os riscos, eu sabia que os braços do meu pai sempre me segurariam e não me deixariam cair. Em qual momento da minha vida eu me distanciei tanto dele? Eu só queria poder abraçá-lo novamente. Pobre do meu velho, eu sei que ele irá sofrer junto de minha mãe que me aquecia com seus abraços no meio de sua cama nas noites de chuva e relâmpagos, afastando todo o medo que não me deixava dormir em meu quarto. Os mimos da minha vó que acalmavam meu choro depois de levar uma bronca dos meus pais. Chamadas que agora me fazem falta! E meu irmão que me buscava na escola, o orgulho e a inveja que eu sentia por ele ser tão inteligente e atrativo, elogiado por todos a sua volta e infinitamente admirado e invejado por mim. Que saudades tenho dele, nunca me esforcei para conhecer minha sobrinha e dificultei para que ele conhecesse a dele. Queria ser seu ajudante mais uma vez naquela velha casa da árvore.

Disse o homem, "Não me interessa a falta que você sente de sua juventude e pouco me importa o que seus semelhantes sentirão, mas sim o que te fez se arrepender, isso é de grande importância para nós. "

Naquele momento eu senti uma pressão em meus ouvidos, e eu só conseguia enxergar as estrelas acima de mim, tudo a minha volta não passava de um borrão.

Eu perguntei quem era aquele homem que parecia brincar comigo, fazendo-me sentir todo aquele turbilhão de sentimentos. E lembrei-me dos pensamentos que me dominaram segundos antes de tomar minha decisão. Eu questionei aquele momento da minha vida e o que viria depois dela própria: o que seria de minha alma? Eu esqueceria o meu "ser" para o novo eu? Como no ventre de minha mãe de que nada lembro, como de meus primeiros passos que só sei que os apreendi e se não fosse pelos vídeos mostrados a mim eu não me lembraria como. Nesse novo "eu" em um novo mundo, teria alguém para me lembrar de quem eu fui? Ou seria o tormento que me foi apresentado pela religião? Sofreria eu mais do que já sofria neste mundo? Por alguns segundos antes de chegar a este ambiente desprezível, foram esses os pensamentos que passaram pela minha cabeça.

"Pergunte a si mesmo por quem você decidiu procurar quando tomou tais providencias para ir ao meu encontro e assim descobrirá quem sou eu, mas isso não o concederá o que busca através de mim" disse o homem interrompendo minha memória.

Lembro de sentir-me despedaçado por dentro, transtornado por não sentir prazer em meus dias, atormentado ao olhar para os lados e me ver "só" e sentindo-me culpado por ser o responsável da minha própria solidão. Porém naquela vidraça da janela, mostrava-se para mim os dias em que eu chegava exausto de meu trabalho e minha esposa buscava tranquilizar-me, enquanto minha filha só queria um pouco da minha atenção. Eu via minha esposa preocupada comigo, nunca reclamando por eu nunca perguntar sobre o seu dia e pelos seus problemas, estando somente preocupado em enche-la com os meus problemas, não aceitando seus conselhos, mas fazendo dela apenas uma ouvinte dos meus estresses sem soluções.

Anos que se passaram da minha vida para alcançar tal glória pessoal, para no fim eu me dar conta de que nada daquilo me preenchia, todos os meus estudos em um ramo que nem de perto me agradava e de muito longe me trazia alegria, além do que o dinheiro pudesse comprar. Neste meu caminho para o topo eu afastei através da arrogância e da falta de humildade quem cuidou de mim quando eu era pequeno e frágil e só agora percebo que estava afastando quem cuidava do verdadeiro homem que sofria com sua fragilidade por trás daquela roupa de lobo engravatado no império que construiu em uma vida enganosa. Pobre de minha esposa que tantas vezes me disse que não precisava de nada de extravagante para viver feliz e dizia eu a ela em resposta, que nada ela sabia sobre a vida. Enganado estava eu que não percebi a vida a minha volta. A vida que me chamava com uma voz doce e suave de "papai", a vida que me chamava de amor e olhava para mim todos os dias e me perdoava por ser tão arrogante com ela.

Neste momento, pouco me importava se meu império material estava em ruínas, pois não era daquele império que eu sentia falta. Depois de ter saltado com meu corpo em desespero, eu sentia falta de um único império, um que eu não habitava fazia tempo. O império do meu lar.

Falou o homem em um tom irônico, "Quão interessante é a mente do homem, que precisa chegar ao extremo da vida para perceber o quão medíocre ele a fez, e quanto fora o tempo perdido dela e o que ele daria para viver o restante de forma diferente. Pois, vergonhoso homem, não me confunda com o Deus misericordioso! A chance de sua misericórdia já se passou sem que você percebesse ou que tenha percebido tarde demais. "

"Divirto-me todos os dias com minhas visitas, e vejo o quanto o homem passa a vida buscando o significado da morte e morre todos dias esquecendo o significado da vida".

"E se a morte fosse apenas uma transição da vida como qual passou-se pela sua cabeça o ato de nascer de um ventre sem saber de onde viera? Imaginastes quanto tempo perdido o homem teve, colecionando tesouros e buscando respostas para um mundo no qual ele só está de passagem? Há como não mencionar a guerra? Ela que presenteia esse paralelo entre as vidas! Tão triste aqueles que ficam e tão alegre fico com aqueles que se vão, ou melhor dizer, que chegam. "

"Diga-me miserável homem, como viveria se acordasse de súbito, quem você seria no resto dos anos que sobram de sua vida? "

"Então você é a morte? " Perguntei para aquele desconhecido.

Em resposta obtive, "O que seria a morte? Não seria ela um nome criado para o que o homem não consegue compreender? Não inverta a situação, talvez só lhe reste 2 segundos ou menos de 1. Apresse em responder à pergunta a qual eu lhe fiz. "

Chamaria pela minha filha e retribuiria aquele lindo sorriso tão puro e inocente. Já não me importaria em reerguer a minha infelicidade material de que nada me serviu além da dor. Viveria como minha adorável esposa clamava para que eu vivesse, seria feliz ao seu lado, percebendo que a minha volta eu nunca estive só. Ignoraria as fotos e as falsas vidas virtuais que contribuíram para minha cegueira. Encontraria aquele homem que me carregava e pediria seu perdão para que ele carregasse sua neta em seus ombros. Abraçaria aquela que me amamentou e me abraçou durante meus medos. Aquela que me ama mais que a própria vida. Seria o ajudante mais uma vez de meu irmão na casa da árvore, mas dessa vez faríamos um castelo para nossos filhos brincarem. Eu não seria eu, ou talvez seria o verdadeiro "Eu".

Perguntou-me o homem, "O que vê nestas paredes que antes estavam vazias? "

Quando eu olhei para o que antes eram paredes que pareciam uma tela em branco esperando os pincéis do artista para dar-lhe vida, naquele momento sem que eu percebesse o artista havia passado e deixado ali um campo preenchido com todos os tipos de flores brancas, flores vivas que se mexiam. E dentre elas levantou voo uma andorinha de encontro ao céu, sumindo entre a luz que emanava do sol na pintura.

Não sei se foi a sala da morte em que eu estive ou uma sala oculta em meu próprio interior. Aquele homem seria a morte me ensinando a viver? Ou o meu próprio "eu" que esteve cego e perdido em uma parte que antes era ocultada pelo meu outro "eu" modificado pelo mundo? O fato é que mesmo nesta cadeira de rodas eu nunca fui tão feliz, e para perceber essa felicidade bastou-me uma queda de 5 segundos.

"Dedico a existência deste conto ao amigo Hugo Motta que me propôs através de um de seus pensamentos sobre a vida a escreve-lo. Enquanto ele estava sentado no terraço de sua casa, pensava o que poderia passar pela cabeça de um suicida em poucos segundos, enquanto seu corpo despenca, percebendo que sua vida se esvai tão rapidamente ao chocar-se com o chão. Mas o que mais chamou a minha atenção para escrever este conto, foi o desafio para que os pouquíssimos segundos em que nos reserva essa história, relatassem o ato de não poder voltar diante da morte. Tentando sentir o que aqueles que estão em seus limites sentem, chegando a se arrepender nos milésimos finais. "

MEDO DO DESCONHECIDO 

Perca-se em um mundo inimaginável para os descrentes do sobrenatural.

Livro físico disponível no link abaixo:

https://www.clubedeautores.com.br/book/261292--Medo_do_desconhecido#.W3QIVc5Kjcc

Versão digital: 

https://www.amazon.com.br/dp/B07GDPTJZK

CONTOS PARA A MADRUGADA

Olhar a morte em sua plena forma e não temer ao toque dela! 

Ir contra todos os princípios e crenças que te foram ensinados desde a infância e acabar descobrindo um mundo oculto dos descrentes!

Amar incondicionalmente uma outra pessoa, chegando ao ponto de não perceber os pavorosos atos realizados.

Quer presenciar uma mente perturbadora e insana, capaz de transformar um homem em psicopata?

Quer conhecer um mundo esquecido e sem salvação?

Se aventurar em casos misteriosos e incompreensíveis para a mente humana? 

Todos esses pontos são os elementos que constrói essa coletânea de contos de terror. 


CONTOS PUBLICADOS NA OBRA "CONTOS PARA A MADRUGADA".

Fim da dor .... 

Terror em Bodie .... 

A ilha do canto .... 

Ela .... 

Acompanhante da solidão .... 

Relato de um manicômio .... 

Noite de horror .... 

Louco amor .... 

Sonho .... 

O outro homem .... 

O eterno nós .... 






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CONTOS PARA A MADRUGADA

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